Thursday, November 03, 2011

Ojeriza

O banho acabou. Durante todo o tempo embaixo d'água, pensamentos acerca de ti me assolaram. Deixei p'ra passar creme depois. Pausei o filme. Não liguei imediatamente para o meu namorado, que tanto demonstra me amar, que amo; este fora nosso combinado: ligar imediatamente.

Larguei tudo p'ra lá, só p'ra escrever sobre ti.
Precisava desafogar meu coração, imerso em lembranças e pensamentos desconexos.

Preocupa-me o fato de estares usando drogas. Por um minuto, questionei-me se a alucinação que elas te trazem serviriam para remeter a todo o torpor de nosso relacionamento. Paralisada, sem rumo, direcionada única e exclusivamente para ti, que estiveste à minha frente sempre. A visão lateral me fora privada, tal qual um cavalo cujo peito é violentamente agrilhoado por rédeas. Tu, não. Sim, na minha frente, tu na minha frente sim. Tu de verdade, não. Nunca. Sempre solto. Infidelíssimo. Traidor. Mentiroso. Devaneio pensar que algum dia estiveste entorpecido. Era só eu. Tu usavas disfarces.

Dei minh'alma embrulhada com papel de seda fina, para presente, com gesto delicado sobre tuas mãos frias. Minhas mãos não tocaram as tuas, que aparentemente eram quentes e prontas para afagar. Por que não as tocaram? Antes o tivessem feito. Quanto sofrimento seria poupado. Quanta água regaria as células deste corpo, que está VIVO, em vez de correr para fora dele. Não quis encostar-te minhas mãos. Confiei na visão doce diante de meus olhos: eram os teus, coloridos daquele verde brilhante que eu jamais vira no mundo. Jamais vi. Ou verei.

Que cruel sou.

Minha mágoa ofusca todo o belo que me resta. Almas cheias de Deus. Afagos que envolvem meu corpo a ponto de elevar-me o espírito para outra dimensão. Pessoas. Pessoas. Pessoas.

A quem devo pedir desculpas por todo o egoísmo?
Tu, para quem eu não liguei no horário combinado? Ou tu, que me concebeste fisica e psicologicamente completa, e hoje me enxergas sem uma parte, amputada, incapaz?

Preocupo-me se tu sabes que fui verdadeira em cada momento. Desde a confecção do embrulho até a retirada das tropas. Sim, pois a que ponto chegamos... Guerra. Erro maior, menor, erro. Brigamos a fim de conhecer um vencedor. O mais honesto em meio a tanta mentira. Tanto engano. Não sei bem por que menti, se te amo tanto. Se te amei tanto, com todo o meu coração, e não sei se jamais serei capaz de amar alguém com tamanha intensidade. Por que tu mentiste?

Decorei os traços do teu rosto, eles apareceram para mim em um sonho, dia desses.

Preocupo-me se me julgas canalha, por acolher alguém tão próximo a ti; se pensas que te substituí da maneira mais cruel possível. Eis que em meio a tanto desnorteamento aparecem em minha vida asas invisíveis, sorriso d'alma inundante, boa vontade, carinho, paciência, e, acima de tudo, fé. Não poderia deixar de agarrar-me com um anjo, com a pouca força que me resta. Assim fiz.

E é para ele que volto agora, alguns quilos mais leve de alívio, outros mais pesada, de culpa.

- Alô?


Preocupações tolas. Tu não as mereces. Ojeriza ao pensar que não as posso evitar. Ainda.
Ou, sinceramente, não mudará. E sei disso.

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